domingo, 23 de janeiro de 2011

O Tempo e as Jabuticabas - Rubem Alves

"Contei meus anos e descobri que terei menos tempo
para viver daqui para frente do que já vivi até agora.

Sinto-me como aquela menina que ganhou uma bacia de jabuticabas.
As primeiras, ela chupou displicente. Mas, percebendo que faltam poucas, rói o caroço.

Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados.
Não tolero gabolices. Inquieto-me com invejosos tentando destruir
quem eles não admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte.

Já não tenho tempo para projetos megalomaníacos.
Não participarei de conferências que estabelecem
prazos fixos para reverter a miséria do mundo.

Não quero que me convidem para eventos de um fim de semana
com a proposta de abalar o milênio.
Já não tenho tempo para reuniões intermináveis para discutir
estatutos, normas, procedimentos e regimentos internos.

Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas,
que apesar da idade cronológica, são imaturas.

Não quero ver os ponteiros do relógio avançando
em reuniões de 'confrontação', onde 'tiramos fatos a limpo'.

Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo
majestoso cargo de secretário geral do coral.

Lembrei-me agora de Mário de Andrade que afirmou:
'as pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos'.

Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos,
quero a essência, minha alma tem pressa...

Sem muitas jabuticabas na bacia,
quero viver ao lado de gente humana, muito humana;
que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos,
não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade,
defende a dignidade dos marginalizados, e deseja tão somente andar ao lado do que é justo.

Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade, desfrutar desse amor
absolutamente sem fraudes, nunca será perda de tempo.

O essencial faz a vida valer a pena."


Rubem Alves

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