domingo, 23 de julho de 2017

ENCONTREI NARCISO E ELE NÃO ME PARECEU UMA PESSOA SAUDÁVEL

As vezes pego meu cachimbo e ambos, ele e eu, nos colocamos a pensar.
Num dia desses, acabamos por nos ver pensando sobre a encruzilhada do gostar, do amar, da paixão. E me coloquei a perguntar o que procuramos nas relações.

Estamos em busca de nossos desejos?
Queremos nos completar no outro?
Buscamos compreender e ser compreendidos?
Uma companhia para as aventuras ou diversidades da vida?

O que buscamos ao nos "aprisionar" no outro?

Buscar desejos é complicado porque, saciado um, outro imediatamente aparece do nada. Desejos serão eternos na nossa vida, e nos ajudarão a fazer da vida algo divertido ao buscar realizá-los. Então, ter uma relação para realizar desejos não só é muito complicado como também, contraproducente. 

Nos completar no outro é também complicado. Mesmo que nos aproximemos do outro por ver nele coisas que não temos, o convívio nos fará "zerar" essa lacuna. Algo como a convivência do preto com o branco vai terminar em duas pessoas cinzas. E daí? O que vem depois? Eu me completei com o que vi de bom no outro, mas isso não quer dizer que estamos completos. Muito menos realizados.

Buscar compreender e ser compreendido acho que é parte da convivência. É fundamental para que uma relação exista, mas não é só isso. Ser sempre compreendido ou sempre compreender não me faz crescer. Não me engrandece como ser humano. Ir para frente exige um pouco de atrito, senão estaríamos "patinando" sem sair do lugar. É preciso ter "aderência".

Enfim sobrou "uma companhia para viver as aventuras e adversidades da vida". Será? Então não estamos buscando uma relação, mas uma testemunha ou, na pior das hipóteses, um cúmplice.

É verdade que alguém a mais irá nos fazer seguir em velocidade diferente da que teríamos se estivéssemos sós. Também nos fará viver coisas que, talvez, não fosse nossa opção se estivéssemos sós. Poderíamos fazer um esforço enorme para conhecer e entender uma pessoa que, nesse mesmo tempo, estaria mudando, e crescendo, e se desvencilhando de conceitos que estaríamos prestes a aceitar.

Uma relação, portanto, é a coragem de sairmos de nós, de irmos além do nosso olhar, do nosso querer, do nosso ser. 

É ir além da nossa angústia, do nosso desejo, do nosso temor. Construir uma relação é, em grande parte, esquecermos de ser só nós. 

Para isso é preciso estar pronto. Se conhecer nas carências e necessidades, mesmo que nunca venhamos a reconhecer que elas existam ou mesmo enumerá-las. É buscar o outro não por aquilo que nos falta, nem por aquilo que podemos completar, mas, fundamentalmente, por aquilo que, juntos, possamos empreender, enquanto cada um se completa, à sua maneira, no seu tempo.

Enfim, é descobrir que não podemos olhar para nós ou para o outro somente. É preciso olhar além.

Somos seres em mutação, num mundo que se transforma a todo momento. Somos incertos porque evoluímos e nada que seja próximo de uma definição ou conceito serve para nos definir. Mudamos com a experiência e o que queremos ser, também muda com a experiência adquirida. Como uma cebola, vamos construindo cascas e mais cascas em volta de nosso núcleo e, assim como ela, ao nos desnudarmos acabamos descobrindo que não somos muito mais que nossas cascas, nossas experiências, nossa vivência do mundo.

Encontrei Narciso e ele não me pareceu uma pessoa saudável porque estava só, preso na armadilha de se apaixonar por seu reflexo, de se bastar a si mesmo sem nem ao menos se conhecer. De achar que nada mais existe ou pode existir além dele.



 
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