sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

POR PURA DISTRAÇÃO

Sempre tive culpa por gastar o meu dinheiro.
No começo não era culpa, era pavor, medo dos grandes. 


Claro, era o orçamento apertado de um simples funcionário que acabava de se casar porque a filha já estava a caminho. Apartamento alugado, com cama, fogão e geladeira emprestados. Todo ano a imobiliária aumentava o aluguel num patamar acima das horas extras que eu fazia para cobrir o orçamento. Já me oferecia para trabalhos de procurar diferença, trabalhava aos sábados e domingos, até descobrir que dar aula particular dava mais grana. Mas o aluguel continuava aumentando e tivemos que buscar um bairro mais distante. 

Fomos para o Ipiranga, para dar conta do recado. A solução não foi satisfatória porque o mofo das paredes nos fez mudar de lá rapidinho. Como o deslocamento casa/trabalho aumentava o custo e o tempo, optamos por um  apto térreo no Bairro São Pedro, próximo ao trabalho, numa rua que dava acesso à favela. Por esta característica, o aluguel era aceitável. Lá as despesas acalmaram um pouco. Minha mãe ajudava no material escolar e conseguimos uma bolsa parcial para a escola dos meninos.

Depois veio a separação e, com ela, a pensão dos meninos. Já não podia controlar o orçamento de custos, e era demandado a todo momento para cobrir mais despesas. O emprego em BH já não supria a demanda. Tinha que achar uma solução para aumentar a receita, porque a despesa já não era eu quem controlava. 


Me arrisquei em Brasília. Mais estudo, mais cursos, em busca de melhores condições de trabalho. O salário aumentou, mas a síndrome do pai ausente me fazia sentir uma culpa enorme se não dedicasse meus recursos para eles. E as demandas continuavam além e acima da pensão, que já consumia 40% do bruto dos salários. Sobrava 60%, para ser dividido com todas as contribuições salariais, inclusive o Imposto de Renda. Já não tinha o sábado e o domingo para aumentar o orçamento. O trabalho no Banco consumia o sábado e no domingo eu não tinha forças para mais trabalho. Precisava descansar a cabeça e o corpo.

Depois os meninos cresceram, minha filha casou. Mantive a pensão do meu filho até ele terminar o doutorado, bem além dos seus 24 anos. 


Com a morte de minha mãe recebi uma pequena herança. Com o PDV da empresa, outro pouquinho mais. Formei poupança, até que enfim. 


Do pouco que sobrava em Brasilia consegui comprar uma casa, num condomínio distante. Ao vender a casa, transformei o dinheiro em dois apartamentos, um para cada filho. Afinal, não gostaria que eles passassem o sufoco de viver no aluguel. Aquela situação, dramática, não a queria para os meus filhos.


Hoje tenho uma pequena poupança e um salário de aposentadoria que busco me manter dentro dele. 

Com o que tenho dá para visitar o mundo, se souber planejar as viagens e ficar dentro do orçamento mensal.  Uma consultoria aqui e uma compra e venda acolá ajudam na geração de caixa.

Mas o mais dificil de tudo, acreditem, é tentar me ver livre da culpa de gastar dinheiro. Essa, me corroi o tempo todo. E quando não sou eu, a vida delega a função para outros, que não sabem da minha história, do meu passado. Que não sabem de onde venho e como cheguei até aqui.

Que se espelham não no que gastam, porque lhes é permitido, mas no que acham que eu deveria gastar, tomando posse da minha vida sem critério e sem remorso. Talvez, apenas, por pura distração.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

NADA MAIS

Nada mais importa. Nada mais.
As recordações?.... De cada um.
Cada qual remontará seus pedaços à sua maneira, com suas escolhas e seus segredos.
A história dos dois passa a ser a versão de cada um.
E na diferença entre elas, a soma de nossas impossibilidades.

 
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