As vezes pego meu cachimbo e ambos, ele e
eu, nos colocamos a pensar.
Num dia desses, acabamos por nos ver
pensando sobre a encruzilhada do gostar, do amar, da paixão. E me coloquei a
perguntar o que procuramos nas relações.
Estamos em busca de nossos desejos?
Queremos nos completar no outro?
Buscamos compreender e ser compreendidos?
Uma companhia para as aventuras ou
diversidades da vida?
O que buscamos ao nos
"aprisionar" no outro?
Buscar desejos é complicado porque, saciado
um, outro imediatamente aparece do nada. Desejos serão eternos na nossa vida, e
nos ajudarão a fazer da vida algo divertido ao buscar realizá-los. Então, ter
uma relação para realizar desejos não só é muito complicado como também,
contraproducente.
Nos completar no outro é também
complicado. Mesmo que nos aproximemos do outro por ver nele coisas que não
temos, o convívio nos fará "zerar" essa lacuna. Algo como a
convivência do preto com o branco vai terminar em duas pessoas cinzas. E daí? O
que vem depois? Eu me completei com o que vi de bom no outro, mas isso não quer
dizer que estamos completos. Muito menos realizados.
Buscar compreender e ser compreendido acho
que é parte da convivência. É fundamental para que uma relação exista, mas não
é só isso. Ser sempre compreendido ou sempre compreender não me faz crescer.
Não me engrandece como ser humano. Ir para frente exige um pouco de atrito,
senão estaríamos "patinando" sem sair do lugar. É preciso ter
"aderência".
Enfim sobrou "uma companhia para
viver as aventuras e adversidades da vida". Será? Então não estamos
buscando uma relação, mas uma testemunha ou, na pior das hipóteses, um
cúmplice.
É verdade que alguém a mais irá nos fazer
seguir em velocidade diferente da que teríamos se estivéssemos sós. Também nos
fará viver coisas que, talvez, não fosse nossa opção se estivéssemos sós.
Poderíamos fazer um esforço enorme para conhecer e entender uma pessoa que,
nesse mesmo tempo, estaria mudando, e crescendo, e se desvencilhando de
conceitos que estaríamos prestes a aceitar.
Uma relação, portanto, é a coragem de
sairmos de nós, de irmos além do nosso olhar, do nosso querer, do nosso
ser.
É ir além da nossa angústia, do nosso desejo, do nosso temor. Construir uma relação é, em grande parte, esquecermos de ser só nós.
Para isso é preciso estar pronto. Se
conhecer nas carências e necessidades, mesmo que nunca venhamos a reconhecer
que elas existam ou mesmo enumerá-las. É buscar o outro não por aquilo que nos
falta, nem por aquilo que podemos completar, mas, fundamentalmente, por aquilo
que, juntos, possamos empreender, enquanto cada um se completa, à sua maneira,
no seu tempo.
Enfim, é descobrir que não podemos olhar
para nós ou para o outro somente. É preciso olhar além.
Somos seres em mutação, num mundo que se
transforma a todo momento. Somos incertos porque evoluímos e nada que seja
próximo de uma definição ou conceito serve para nos definir. Mudamos com a
experiência e o que queremos ser, também muda com a experiência adquirida. Como
uma cebola, vamos construindo cascas e mais cascas em volta de nosso núcleo e,
assim como ela, ao nos desnudarmos acabamos descobrindo que não somos muito
mais que nossas cascas, nossas experiências, nossa vivência do mundo.
Encontrei Narciso e ele não me pareceu uma
pessoa saudável porque estava só, preso na armadilha de se apaixonar por seu
reflexo, de se bastar a si mesmo sem nem ao menos se conhecer. De achar que
nada mais existe ou pode existir além dele.